domingo, 4 de dezembro de 2011

te espero no cume invisível de uma montanha infinita para nosso tamanho

de tudo, resto-me a mim
se a solidão é o preço a ser pago
que valha toda a vida esta única pena

não se conquista impunemente a liberdade
de percorrer os labirintos dos afetos

pena de quem só pensa com o intelecto,
porque não bombeia sua razão com o sangue sujo do coração
pena de quem não pode pensar,
porque tudo lhe escapa pelas mãos, pelos olhos, pelos pulsos abertos a giletes em noites que não tiveram fim

eu não sei tudo, eu não sei nada
sei que pensar, sentir, estar
depende de viver sem se distrair demais,
de tomar a vida nos braços como se doma um leão,
não a cada dia, mas de uma única vez, por todas!

sou agora tão louca quanto Nietzsche quando calou para sempre,
tão louca quanto Sócrates ao ser condenado à cicuta,
quanto aquele que nada vê em si, nem além
pois tudo o que há, está sendo apesar

se parar, a gente dança, se dançar, a gente para
para ver, é preciso olhar, para olhar, é preciso ver

tudo habita na relação impossível
entre parar-dançar-parar, ver-olhar-ver

será que você consegue chegar lá?

te espero no cume invisível de uma montanha infinita para nosso tamanho

meus dedos congelam, nariz, orelhas
não sinto meu corpo sob a cintura

nessa aventura de ir além,
você nada pode diante de minha coragem de viver a vida como um alpinista
que escala as alturas e desce sem levar consigo
mais que um coração cheio de pedras
para esvaziar assim que tocar o solo

um dia a gente se encontra
fora desses corpos que nos impelem um ao outro
então te conto
como é sentir a alma estando em tudo que existe sem se comunicar com nada
como a alma é a experiência de uma morte que de tão definitiva só assim dá sentido à vida

nenhuma flor que se preze
pressente quando fenece
nem percebe o perfume que exala durante
toda flor que vale a florescência
floresce sem por que
mesmo que nada fosse antes
mesmo que não seja em essência
mais do que resta no instante

quem, por um momento que seja, se instala na tensão entre ser e existir
compreende que a vida inteira vale um único sopro quente do destino
e pode então prescindir do movimento que dispersa,
da verdade que inebria
não como o vinho de Dioniso, mas como a certeza fria de Parmênides

não há caminhos que me conduzam
não há sendas sobre mim
meus passos abrem nos abismos
as estradas que percorro em vão
com ou sem você

reconciliação

meu coração, que tanto me cansa e desconsola
por andar descompassado, sem direção
de repente me conforta, fortalece
ao negar-se a um embate com a dor, recolher-se
e assim livrar-me de um fim indigno

a mim, que além de um coração selvagem e apaixonado
tenho como princípio na vida
jamais matar ou morrer de dor

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

dádiva

meu corpo é marcado com iniciais maiúsculas
minha alma também
eu toda vivo o tempo de um amor maior
do que cabe na vida inteira

ofereço-lhe agora o que já tive
recebe, pois é tudo seu

contorno sua alma com minhas mãos
seu corpo com meu amor
abro sem reservas meu coração
mas não se impressione com nada disso
minhas mãos tateiam sempre a plenitude do instante
meu amor escorre entre as fendas da loucura
meu coração é um barco à deriva da paixão
sigo sem me deter no que retém

aceita então o que lhe dou com o peito aberto
resistente apenas a atentados armados
jamais a seus movimentos sinuosos
guarda com você meu beijo
meu sorriso ao encontrá-la em mim
vou além do que você pede agora

mas quem sabe o que virá depois?
pode fazer falta essa violência que me precipita para o seu corpo
a doçura que me cola aos seus lábios cada vez
fica com tudo
desfaz do que quiser quando bem entender

quanto a mim não esquecerei nunca 
que no seu corpo – e isso aprendi no meu
a carícia, para imprimir-se
tem que rasgar a pele sem ferir fundo
deslizar sob a superfície
penetrando em todas as direções

em qualquer sentido que seja

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

pela boca

meto pela boca
uma faca para cortar meu peito
para que antes de atingir o cerne
a faca rasgue o grito que o denuncia
e ele se traduza apenas
em sangue
despedaçamento

terça-feira, 25 de outubro de 2011

SacriFício


ferve na minha carne
uma vontade de anos
cada vez em você
adentro
labirintos
percorro
veredas azuis
mas que diabos
tem meu corpo
que gritar
teu nome
quando meu desejo
é descansar
de tudo
?
por que anjos
vem a paixão me golpear
agora
que já morri todas as vezes
que podia
?
será possível
que nem nos céus nem nos infernos
nem deuses nem demônios
zelem por mim
e me poupem de mais esse sacrifício
?
de verdade
não creio em mim
não creio em você
mas a vida cisma comigo:
me faz ver o que não há
!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

meio da vida


um ogro
logro
malogro do destino
verteu a fantasia
do meu coração sozinho
na calçada do seu olhar esquivo

desde então desatino

louco
bobo
troncho
bate errado
em meu peito
esse amor que é quase nada

dança nos meus olhos
a violência
do desejo entre nós
enquanto
nos seus se revela
a delicadeza
que nos desata
de repente

terça-feira, 18 de outubro de 2011

razão quase enlouquecida*

meu coração patético quer fazer a festa dos sentidos
julgando que assim será feliz
para isso escolhe entre aquilo que me toca
o que arde e adentra a superfície

nos caminhos da pele do cheiro do som
há perigos que ele desconhece
e que aprendi a tatear
com as mãos de uma razão quase enlouquecida

temos um acordo
meu coração e eu
um dia
bateremos juntos
no mesmo tom

concedo-lhe então
todo o tempo de que precisa
para errar
esquecer-se
recomeçar

vou apenas desviando-o
para não se fixar na dor
e petrificar para sempre

assim ele permanece livre
e me conduz através das paixões

(*razão quase enlouquecida é uma expressão utilizada por Leandro Konder a propósito do pensamento de Hegel; ele sabe que estou usando emprestada nesta poesia e outros contextos)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

despudor


ando tão despudorada

que já abordo minha paixão corta-pulsos
como se fosse uma qualquer
olho nos olhos (quase) sem medo
e digo (quase) firme
não baixe o tom da voz, não sussurre assim devagarzinho
não aproxime esses lábios carnudos da minha boca
só pra ver o que acontece
simplesmente não dou conta, desfaleço


vou fazendo minha parte


hoje
todo mundo que eu amo
sabe bem disso
nem tenta se fazer de rogado


quarta-feira, 27 de julho de 2011

por que a paixão desconsola?

mesmo quando não me arrebata
arrebata

não estou nas suas mãos
escapo por outros espaços

mas
se digo te amo
fui aprisionada

terça-feira, 26 de julho de 2011

as palavras falam por si

sossega, é tudo possível
desde que teu peito seja largo o bastante

nele tem que caber tanto amor e todo ódio
tanta leveza e toda dor
o que é, não foi, poderia ter sido

porque não amo suficientemente as palavras
insisto em falar com elas, por elas

este é meu equívoco: falar com palavras
elas nada têm a dizer sobre mim
as palavras falam por si

não sou nem escrava nem senhora das minhas paixões, sou escrava e senhora delas
o que digo não me cura porque a cura para mim não existe
o que digo me sangra porque o sangue está em mim
o que digo me lava porque a água
onde está?

sábado, 23 de julho de 2011

Pende da minha boca uma palavra não dita

escorre
percorre os vazios da sua pele tão povoada de discursos
penetra no espaço saturado do seu peito
e se lança do abismo de nós

toda palavra dita
maldita
omite esse sentido estendido sobre meu corpo

para desaprender a desvendar o desejo
libertá-lo das garras da razão
deixá-lo escorrer
é preciso respeitá-lo
perscrutá-lo como um mistério
com receio
pudor

o desejo desenha seus próprios caminhos
sabe mais que a razão sobre ele

meu corpo
arde
gela
seca
molha
sob a lembrança do seu corpo dentro

enquanto você disseca meu desejo
ele escorre
pelas suas mãos

não quero palavras
não quero silêncio
quero o vazio
a imobilidade

não quero que você
fale
cale
quero que você
nem pense
nem faça
nada do que pensa fazer

você quer saber mais de mim do que sei de tudo
quer garantias de amor
que eu nego
a quem quer que me peça

quarta-feira, 20 de julho de 2011

caso eu dê indícios de morte:

cortem imediatamente minha garganta!
e libertem
as palavras
sentidos
declarações de amor
espantos
gritos
choros
que tenho sufocado
por toda minha vida!

deixem então 
fluir enfim
o mar de sentimentos, emoções, recordações
abraços e beijos
que hoje contenho em mim...

enquanto tudo se modifica

seguiremos nós duas
exatamente assim

afinal já vivemos mais
do que caberá em nossas vidas
até o fim dos seus dias

olhei e desencontrei seus olhos
tantas vezes
quantas o céu moveu sobre nós
a areia queimando nossos pés
no verão
e a relva
que nunca pisamos juntas
mas que em sonhos flutuamos

agora sem pressa
nem pesar
apesar de tudo
seguiremos assim
como se não tivesse importância alguma
não fosse o que escapa
quando quase tocamos

esta não será nunca
nem hoje
apenas uma canção de amor
pois jamais
como prometi e você esqueceu
mas bem lembra quando se deita
- e aparta do mundo
jamais escreverei palavras de dor
simplesmente porque assim como eu
e também você
nós duas
a dor não compareceu aos encontros marcados

viu quando você chegou?
ela estava lá
à espreita
mas ríamos tanto
e fizemos tanta confusão naqueles dias
que se misturou no ar que engolimos

ao final de tudo
terá sido realmente lindo
não termos sequer percebido
quantas mortes
vivemos juntas
cada uma
em sua vida

não, meu amor

sinto muito
mas não sou perfeita
também minto
além de dizer coisas que não têm importância alguma
principalmente para você

é triste isso, é chato
mas é assim
não posso oferecer-lhe tudo
não possuo as verdades que busca
não conto com as forças de que necessita

portanto não há outro jeito
terá que ver o mundo com seus olhos
tocar as coisas com seus dedos
falar com a sua voz
proferir também 
dúvidas, incertezas, imprecisões, enganos, sandices
como eu

depois de tudo
ainda
olhar nos meus olhos
comprovar, reconhecer meu espanto, desapontamento

e tudo não ficará por aí
teremos muitos  momentos como este
(em que ultrapassamos o espanto entre nós?)
poderemos então 
até conseguir mais
ouvirmo-nos atentamente
quem sabe tocarmo-nos outras vezes

segunda-feira, 18 de julho de 2011

é no meu peito a terra de ninguém

o amor venta, chove, varre
arde como sol a pino
não cedo, não me dobro
luto
entre eu e quem?

é no meu peito a terra de ninguém

terça-feira, 12 de julho de 2011

hoje e sempre

que eu não esqueça nunca os versos mais lindos que li
e os guarde em algum canto do meu corpo
para reconfortar-me das dores
insuportáveis da alma
por tudo contudo entre tudo
que me reste sempre a palavra bruta da poesia
por onde a vida passa inteira

quarta-feira, 15 de junho de 2011

balada do amor no alvorecer do século XXI

meu amor
abra os olhos
chegamos ao século XXI

enquanto você dormia
não restaram certezas
quase nada se manteve de pé
proliferam dúvidas e mais dúvidas
mas você pode vislumbrar
coisas tão fantásticas
que vai pensar ainda estar sonhando

o mundo não vai acabar agora
mas já é hora de fazer um inventário
hierarquizar valores

as três coisas mais lindas do mundo são
nossos filhos pequenos quando brincam ou dormem
nossos filhos crescidos entre os amigos da escola
nossa casa vazia depois que saímos apressados para o trabalho
e antes que retornemos para jantar e dormir

e as três coisas mais importantes são
o acalanto do bebê
o aconchego da casa
o acolhimento do outro

estou pronta
agora você há de ouvir
para lhe falar
baixei dois tons a minha voz
desacelerei meu peito
respirei fundo mil vezes
e treinei ao espelho olhar alguém
dentro dos olhos

(poesia escrita em 2006)

por uma razão poética

já jurei mil vezes calar a boca
mas de repente falo demais
maculo, firo, atento contra
a imagem harmoniosa das palavras
que repousam no ar
satisfeitas
em seu conteúdo e forma
produzindo sentidos
intocáveis
indecifráveis
exceto para aqueles poucos
que sabem calar
engolir em bruto
as coisas ditas

há diferenças abissais entre mim e você
meu corpo reage ao controle que exerço a fim de torná-lo livre
o seu liberta-se
exala cheiros, sons
carece, satisfaz-se

por favor, não desista
bata
insista
se preciso
dê forte na minha cara
até eu abrir as pernas
só assim teremos a certeza de que estamos vivos
e falamos a mesma língua
(poesia escrita em 2006)